quinta-feira, 12 de março de 2015

A lumblija de dona Jacira

A lumblija é um pão de especiarias croata. Tive o privilégio de provar dele na casa de dona Jacira, que o prepara a cada Natal. Foi na casa dela que colhi o depoimento sobre o feitio do pão. Deem uma espiada na foto e vejam se não é de dar água na boca!

História do prato
Fui em busca de mais informações sobre a origem desse pão típico de Blato, na ilha de Korcula, Dalmácia. Como a comunidade croata não é assim tão grande, mesmo em São Paulo, consultei uma amiga, também editora, de origem croata. Ela, por sua vez, me indicou um amigo, professor de croata que havia ajudado na tradução de um livro de receitas dálmatas. Nenhuma surpresa ao descobrir que a autora é casada com um primo de dona Jacira. Parece filme, não? Mas é pura vida real.
Além de algumas informações do livro de Katia Gavranich Camargo (Escrituras, 2014), encontrei um site em inglês que as confirma e traz outras, bem interessantes.
A origem da lumblija, preparada em Blato há cerca de 200 anos, está ligada à conquista napoleônica da Dalmácia. Um soldado-padeiro francês teria se apaixonado por uma jovem da ilha; ao se despedir, com a partida de seu exército, presenteou-a com um pão doce e lhe pediu "n'oublie pas" (não esqueça). Aos ouvidos de sua amada, aquilo soou como "lumblija", e este foi o nome dado a esse tipo de pão perfumado e saboroso. A lumblija está assim associada às pessoas que não queremos esquecer e é preparada normalmente no início de novembro, quando acontece inclusive um grande festival na ilha, os Dias de Lumblija, para escolher a melhor dentre elas.
No Brasil, com os Bacic e dona Jacira, ela ganhou um sabor natalino e talvez pequenas adaptações. Mas o que importa mesmo é como ela é aguardada ansiosamente por todos.

Receita de Lumblija - panetone à moda croata, por Jacira Mesquita
Para 2 unidades, comece preparando os temperos. Rale 2 unidades de noz-moscada, junte cravo moído, canela em pó, casca ralada de duas laranjas, um pouco de pimenta-do-reino (não costumo colocar porque fico com medo de que fique forte - minha avó sempre usava); se for fácil encontrar, coloque um cálice ou dois de licor de anis.
Faça agora a esponja com fermento (regule para cerca de 2kg de massa), água ou leite morno, um pouco de açúcar de trigo. Deixe crescer até dobrar de volume.
Bata 4 ou 5 ovos com 500g de açúcar, junte 4 colheres bem cheias de manteiga ou margarina em temperatura ambiente, um copo e meio de leite morno e um pouquinho de sal. Junte a esponja, os temperos e 750g de farinha de trigo, misture com colher de pau. Deve ficar bem mole, tipo um mingau, se precisar coloque mais um pouco de leite. Retire da tigela, coloque no balcão e "rasgue" a massa: isso se faz empurrando porções dela com o pulso (a parte interna dele) sem tocá-la com os dedos; empurre para a frente e traga com os dedos flexionados em concha. Repita esta operação até obter um produto bem homogêneo. Junte farinha de trigo aos poucos e vá amassando até que a massa fique elástica e ainda "grude" um pouco nas mãos. Deixe-a crescer em lugar protegido e coberta com um guardanapo até mais que dobrar de volume.
Prepare as frutas: corte nozes em pedaços não muito pequenos, junte laranja, figo e cidra cristalizados picados. Escorra cerejas em calda, seque-as com um guardanapo de papel e corte-as; junte passas brancas e pretas sem sementes, e um pouco de farinha de trigo. Sacuda bem para que a farinha envolva tudo delicadamente (use pouca farinha).
Divida a massa em duas ou três porções, recheie, coloque nas formas e deixe crescer novamente até dobrar de volume.
Asse em forno preaquecido a 200 graus, aproximadamente, até que estejam bem moreninhas. Faça uma pasta mole com açúcar e água, espalhe com pincel sobre cada lumblija e leve ao forno por mais alguns minutos para secar o açúcar.
Dobar tek, bom apetite!

(produção do vídeo: Diego Garcia)

No cinema, em torno da mesa

Lá no Nem guerê nem pipoca, fiz uma lista mais completa de food movies. Aqui, escolhi os que ressaltam a ideia da comunhão entre famílias, amigos e até recém-conhecidos em torno do alimento.

A festa de Babette, de Gabriel Axel (1987) - Um filme sobre gastronomia, mas também sobre a beleza da graça. A misteriosa Babette chega à costa dinamarquesa fugindo de uma guerra na França. Em uma triste e escura vila encontra Philippa e Martina, filhas de um pastor austero que continuam vivendo segundo os preceitos de seu pai, à frente de uma pequena comunidade. Acolhida por elas, Babette realiza grata e silenciosamente os serviços domésticos e surpreende aos moradores da vila (não sem recriminações, claro) com um banquete suntuoso.

Como água para chocolate, de Alfonso Arau (1992) - Na minha opinião, o filme em que a relação entre cozinhar e amar é mais clara - talvez por ser um filme latino-americano. A jovem Tita cresceu em meio a panelas e temperos e tem o dom de transmitir seus sentimentos aos pratos que prepara. Apaixonada por Pedro, tem que aceitar que ele se case com a irmã mais velha, em respeito a uma tradição/maldição familiar. Mas o amor transborda, e daí...

Comer, beber, viver, de Ang Lee (1994) - Um célebre chef chinês aposentado precisa aprender a lidar com suas três filhas após a morte da esposa. Acompanhamos a vida amorosa das três jovens e sua relação às vezes conflituosa com o pai enquanto assistimos maravilhados à mágica que se opera na cozinha do chef Chu - molhos misteriosos, sabedoria culinária e pratos lindos que surgem ao levantar de uma tampa atiçam a fome de qualquer espectador.

O tempero da vida, de Tassos Boulmetis (2003) - Embora a ideia seja boa, o filme é fraquinho (direção maomeno, talvez?), mas me atraiu pela temática dos temperos. O garoto Fanis vive na loja de temperos do avô, com quem aprende os segredos das especiarias e da vida. Quando os gregos são expulsos da Turquia, em 1964, o garoto precisa se separar do avô, indo morar na Grécia com os pais. Lá ele se torna um especialista em gastronomia.

Julie & Julia, de Nora Ephron (2009) - Um dos meus favoritos sobre o tema - ainda por cima, estrelado pela maravilhosa Meryl Streep como Julia Child. Para fugir ao enfado de sua vida cotidiana, a jovem jornalista Julie (Amy Adams), que trabalha como atendente de telemarketing, cria um blog com o desafio de preparar todos os pratos do livro clássico de Julia Child (uma espécie de Dona Benta mais sofisticada dos Estados Unidos). As duas histórias se cruzam, e é divertidíssimo conhecer o lado competitivo de Child ao vê-la descascar montanhas de cebola para vencer os colegas de Cordon Bleu.

terça-feira, 10 de março de 2015

O porquê disso tudo

O que é uma família?
Das definições do dicionário, a que mais me apraz é a seguinte, retirada do Aulete on-line: "grupo de indivíduos que são ou se consideram consanguíneos uns dos outros ou por descendência comum ou por adoção".
Para mim, família é também e principalmente uma escolha afetiva. Famílias formadas por irmãos, meio-irmãos, primos, pais naturais, pais adotivos, amigos, pessoas do mesmo sexo, pessoas que optaram por um sexo, pessoas de diferentes etnias, de diferentes tamanhos, de diferentes formações e origens - de qualquer tipo, desde que seus membros escolham estar juntos.
E não consigo deixar de imaginar pessoas que se gostam reunidas em torno de uma mesa, partilhando o alimento, as histórias e os afetos.
Neste blog, portanto, cabem todas as famílias, sem preconceito, sem imposições sociais. A única regra é que compartilhem com a gente sua receita de felicidade em torno da mesa. Qual é o prato que preparam para as pessoas queridas? Qual a origem dele? Qual é a história por trás dele?
De história em história, vamos perceber como esse alimento compartilhado nutre corpo e alma. E como, ao saber das histórias alheias, tecemos mais um pouquinho de humanidade sobre o mundo.